Recentemente li dois livros que me marcaram bastante e que recomendo a quem quiser perceber melhor como o futuro da IA vai impactar a sociedade e as nossas vidas: The Coming Wave, de Mustafa Suleyman, CEO da Microsoft AI e The Singularity Is Nearer, de Ray Kurzweil, um “inventor/futurista”. São obras que, de formas diferentes, ajudam a abrir os olhos para a dimensão das mudanças que estamos a enfrentar e que, inevitavelmente, vão moldar o nosso futuro coletivo.
Ouve o resumo deste artigo:
Áudio gerado por IA
Neste artigo:
Entre dois polos opostos
À medida que o debate em torno da inteligência artificial cresce, encontro-me entre dois polos opostos. De um lado, há a ansiedade generalizada – a sensação de que a IA rapidamente ultrapassará o controlo humano, tomando decisões que não compreendemos nem conseguimos conter. Do outro, há o otimismo quase cego daqueles que veem a IA como o salvador final, capaz de resolver os maiores desafios da humanidade num instante. A minha perspetiva, moldada por anos a trabalhar na interseção entre tecnologia, digital, e compreensão das necessidades humanas enquanto marketeer, situa-se algures entre estes extremos.
Acredito profundamente que a IA encerra um enorme potencial, mas só se a abordarmos com humildade, pensamento crítico e, acima de tudo, responsabilidade.
A pergunta fundamental não é se vamos usar IA, mas como. Como é que a podemos orientar para servir a segurança, a dignidade e o progresso humano, sem que ela nos ultrapasse?
Suleyman defende que as tecnologias que estamos a desenvolver hoje são radicalmente diferentes em escala e velocidade das ondas de inovação anteriores. Já não estamos a falar de ferramentas que ampliam as capacidades humanas de forma incremental; estamos a falar de sistemas que aprendem, adaptam-se e operam de forma autónoma, muitas vezes surpreendendo até os seus próprios criadores. O conceito de “conter” torna-se aqui muito mais complexo, mas é abordado de forma realista no livro. Kurzweil vai ainda mais longe, sugerindo que estamos prestes a fundir-nos com estas tecnologias, esbatendo os limites entre humano e máquina. Quer se aceite ou não completamente esta visão, o ponto essencial é claro: o futuro que estamos a construir está profundamente entrelaçado com a IA, e não há um botão de pausa, nem vale a pena tentar parar o vento com as mãos.
A pergunta fundamental não é se vamos usar IA, mas como. Como é que a podemos orientar para servir a segurança, a dignidade e o progresso humano, sem que ela nos ultrapasse?
IA como camada protetora
No mundo da mobilidade – onde trabalho – esta questão é urgente e concreta. Os sistemas de segurança suportados por IA, desde a assistência avançada à condução até à manutenção preditiva e deteção de perigos em tempo real, já não são promessas futuras; são realidades presentes. Estes sistemas não trazem apenas conveniência, salvam vidas. Um veículo equipado com IA bem calibrada consegue detetar perigos que um condutor humano poderia não ver: um peão a atravessar inesperadamente, uma microvariação na performance do pneu, uma degradação subtil na resposta dos travões. Quando bem desenhada, a IA atua como uma camada protetora, ampliando a perceção humana, não necessariamente substituindo-a.
Os sistemas de segurança suportados por IA, desde a assistência avançada à condução até à manutenção preditiva e deteção de perigos em tempo real, já não são promessas futuras; são realidades presentes
E essa distinção é fundamental. Na Volvo, o nosso compromisso com a segurança não é apenas proteger pessoas em acidentes, mas também moldar uma cultura mais ampla de cuidado, responsabilidade e visão de futuro. É precisamente por isso que já oferecemos sistemas como o Pilot Assist, que apoia funções de condução semiautónoma, como a manutenção na faixa, ultrapassagem automática controlada, e o controlo adaptativo de velocidade, sempre sob a condição de que o condutor humano esteja atrás do volante, pronto para intervir sempre que necessário. Acreditamos que, embora a IA possa expandir as capacidades humanas, ela nunca deve eliminar a supervisão humana – pelo menos não sem testes rigorosos, controlo robusto e um enquadramento ético claro.

Infografia gerada por IA
Este pensamento crítico tem de ir para além dos produtos físicos. A IA está cada vez mais embutida nos ambientes digitais que usamos todos os dias, nas redes sociais, nas notícias que consumimos, nas transações financeiras que realizamos. E aqui, os riscos ultrapassam as falhas técnicas. Temos de enfrentar a realidade de que a IA pode ser mal utilizada, gerando conteúdos maliciosos, amplificando desinformação, manipulando perceções. As mesmas ferramentas que nos empoderam também podem enganar-nos, e temos a responsabilidade – enquanto indivíduos e organizações – de abordar o que a IA produz, com um olhar atento e informado.
Acredito que esta dualidade, o poder capacitador da IA e, ao mesmo tempo, o seu potencial de abuso, define o grande desafio do nosso tempo. Exige uma mentalidade que equilibre otimismo com ceticismo, inovação com ética, experimentação com responsabilidade. Não nos podemos dar ao luxo de recuar por medo, nem de avançar com entusiasmo cego. Temos de nos envolver ativamente, testar os limites, e garantir que a IA responde a valores centrados nas pessoas.
Um parceiro integrado
À medida que a IA se torna cada vez mais central no nosso setor e na nossa sociedade, temos a oportunidade e a obrigação de liderar pelo exemplo. Mostrar que a tecnologia avançada pode ser utilizada de forma ponderada, reforçando a confiança em vez de a minar, ampliando as capacidades humanas sem diminuir a supervisão humana. Na Volvo, queremos estabelecer esse padrão: usar a IA não como um atalho, mas como um parceiro cuidadosamente integrado na nossa missão de proteger e capacitar as pessoas.
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Estamos a viver momentos decisivos e entusiasmantes, em que estamos à beira de mudanças profundas. Mas cabe-nos a nós – como indivíduos, empresas e sociedade – de orientar este futuro com intenção, moldá-lo de forma consciente, e, no final, vivê-lo com uma atitude positiva. E acima de tudo, com aquilo que nunca poderá ser automatizado: pensamento crítico.

