Ilustração sobre a meta de 2035, onde se vê Ursula von Der Leyen a ver passar carros, a bandeira da UE e um tubo de escape Ilustração sobre a meta de 2035, onde se vê Ursula von Der Leyen a ver passar carros, a bandeira da UE e um tubo de escape

Meta de 2035: Bruxelas recua e permite carros a combustão

O recuo já era esperado. Bruxelas cedeu à pressão dos construtores de automóveis europeus.

A Comissão Europeia decidiu rever em baixa a ambição do pacote climático para a indústria automóvel e adiar, na prática, a proibição total da venda de novos carros a combustão em 2035.

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Bruxelas abre assim espaço para a continuidade de híbridos plug-in e motores térmicos alimentados por combustíveis sintétitos depois dessa data. A ACAP saúda o recuo de Bruxelas e fala num “regresso ao realismo” na transição energética, mas alerta que “o debate está longe de terminado” para a indústria e para os consumidores portugueses.​​

O que muda na meta de 2035

O regulamento aprovado em 2023 previa que, a partir de 2035, todos os novos automóveis e comerciais ligeiros vendidos na União Europeia fossem de emissões zero, o que, na prática, significava o fim dos motores de combustão convencionais.

A nova proposta da Comissão substitui a exigência de redução de 100% das emissões por uma meta de 90%, permitindo que uma fatia minoritária da oferta continue a incluir veículos não totalmente elétricos, desde que cumpram critérios de neutralidade carbónica ao longo do ciclo de vida.​

Infografia gerada por IA

Segundo o executivo comunitário, a alteração visa “assegurar uma transição ordenada”, evitando choques sociais e industriais num setor que emprega centenas de milhares de pessoas na Europa e que enfrenta pressão acrescida da concorrência chinesa e norte‑americana. Na prática, a revisão abre a porta a soluções intermédias – como híbridos plug‑in de última geração e motores preparados para e‑fuels e biocombustíveis avançados – ao mesmo tempo que mantém a eletrificação como eixo central da política climática europeia.​

Razões do recuo de Bruxelas

O recuo surge após meses de forte pressão de alguns Estados‑Membros, com destaque para Alemanha e Itália, bem como das principais associações da indústria automóvel europeia, que alertaram para o risco de perda acelerada de competitividade face a mercados onde as regras são mais flexíveis. Vários governos advertiram ainda para o impacto da proibição absoluta na cadeia de valor automóvel e no emprego, pedindo tempo para adaptar fábricas, fornecedores e redes de assistência à nova realidade tecnológica.​

A Comissão admite que a procura por veículos 100% elétricos tem ficado aquém das expectativas em vários países, em particular nos segmentos de entrada, penalizados por preços elevados e por uma infraestrutura de carregamento ainda desigual. Ao reformular as metas para 2035, Bruxelas tenta equilibrar a pressão climática com a necessidade de proteger a base industrial europeia, garantindo simultaneamente margens de manobra para políticas nacionais de apoio à renovação do parque automóvel.​

Margem para híbridos e combustíveis sintéticos

Com o novo desenho regulatório, os construtores passam a dispor de uma quota limitada para manter em catálogo modelos com motor de combustão interna, desde que estes cumpram padrões reforçados de eficiência e recorram a combustíveis considerados climaticamente neutros.

Uma família faz um picnic ao lado de um Renault 5 elétrico
Bruxelas recuou na meta de 2035 mas diz que descarbonização não está em causa | imagem gerada por IA

A Comissão abre também espaço a que os Estados‑Membros promovam frotas específicas (por exemplo, veículos de serviço ou de utilização profissional intensiva) baseadas em híbridos plug‑in e soluções de combustão de baixo carbono, sempre dentro do teto global de emissões.​

Bruxelas sublinha, no entanto, que a trajetória de descarbonização não é posta em causa e que a grande maioria das vendas deverá ser composta por veículos 100% elétricos já a partir da próxima década. O novo pacote inclui ainda iniciativas para acelerar a produção de baterias na Europa e incentivar o desenvolvimento de veículos elétricos mais compactos e acessíveis, condição considerada crítica para uma transição socialmente justa.​

A leitura da ACAP: “realismo” e cautela

Em comunicado divulgado, a ACAP – Associação Automóvel de Portugal acolhe favoravelmente o novo pacote para a indústria automóvel, sublinhando que “o calendário e as metas têm de ser tecnicamente exequíveis e economicamente suportáveis para fabricantes e consumidores”. A associação lembra que sempre considerou “prematuro” fixar desde já uma data para o fim absoluto dos motores de combustão, defendendo a realização de avaliações de impacto antes de decisões irreversíveis.​​

A ACAP destaca também a especificidade do mercado português, marcado por um parque automóvel envelhecido e por uma menor capacidade de investimento das famílias em veículos novos, sobretudo elétricos, cujo preço continua a ser superior ao dos modelos a combustão equivalentes. Neste contexto, a federação do setor entende que o ajustamento das metas europeias “abre uma janela de oportunidade” para programas de incentivo à renovação do parque, combinando veículos de emissões muito reduzidas com soluções 100% elétricas onde estas sejam mais competitivas.​​

Vendas de elétricos já na frente

Em Portugal, os carros 100% elétricos já ultrapassaram as vendas de modelos exclusivamente a gasolina e gasóleo, confirmando que o mercado nacional está a fazer a transição antes mesmo de Bruxelas fechar a porta aos motores de combustão. Esta inversão de tendência dá ainda mais peso político e económico ao debate em torno do adiamento da proibição total em 2035.​

Carros elétricos circulam no terreiro do paço, em Lisboa
Em Portugal, já se vendem mais carros elétricos do que com motores a combustão | Imagem gerada por IA

Segundo dados da ACAP, 2025 fica marcado por um ponto de viragem: pela primeira vez, num mês inteiro, foram vendidos em Portugal mais ligeiros de passageiros 100% elétricos do que veículos a combustão (gasolina e gasóleo somados). Em setembro de 2025, por exemplo, matricularam‑se 4.984 veículos novos 100% elétricos contra 4.071 veículos exclusivamente a combustão, um marco histórico que consolidou a liderança dos elétricos no mercado mensal.​

Esta dinâmica não é um episódio isolado: a partir do final do verão, os elétricos passaram a dominar o topo do ranking de vendas, impulsionados por uma oferta mais diversificada e pela chegada mais baratos. Em simultâneo, os modelos a gasóleo continuam a perder peso de forma acelerada e a gasolina já não consegue, sozinha, compensar a transferência de procura para as soluções de emissões muito reduzidas.​

O que isto significa para o adiamento de 2035

O facto de os elétricos já liderarem o mercado em Portugal retira dramatismo imediato ao adiamento da proibição total dos motores de combustão, mostrando que a transição está a acontecer por via da escolha dos consumidores, e não apenas por imposição regulatória.

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Para a indústria, a decisão de Bruxelas alivia a pressão sobre o calendário, mas os números portugueses reforçam a mensagem de que o investimento em gamas 100% elétricas e em infraestruturas de carregamento é irreversível e começa a traduzir‑se em volumes significativos de vendas.​

Neste contexto, a posição da ACAP, que aplaude um “regresso ao realismo” nas metas europeias, convive com um mercado onde os elétricos já provaram conseguir liderar as estatísticas quando existem produtos competitivos e condições de utilização.

A opinião do EVMag

A Comissão Europeia cedeu à pressão da indústria automóvel europeia, e fez mal. Deixar de banir a venda de carros com motores a combustão em 2035 é dar um sinal aos construtores de que as metas anteriormente definidas por Bruxelas podem ser ajustadas. A transição para a eletrificação exige investimentos astronómicos e a venda de carros elétricos começará por ser feita com prejuízos, mas ganhando escala os lucros regressarão.

A indústria europeia está sob forte pressão da concorrência chinesa, que consegue colocar na Europa carros elétricos altamente tecnológicos a preços muito competitivos. O caminho para os construtores europeus não é assobiar para o lado e continuar a produzir modelos a combustão. Tem de ser chegar-se à frente, apostar no desenvolvimento de automóveis que sejam atrativos e competitivos.

A decisão da Comissão Europeia já era esperada. Em vez de mostrar firmeza, preferiu ceder às pressões. Os construtores europeus tiveram tempo de sobra para se prepararem, mas fizeram-no com a lentidão dos grandes conglomerados.

A dúvida agora é legítima. Será que a Europa volta a dar um passo atrás antes de 2035?

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