Uma rápida passagem pela Internet, entre websites e canais de YouTube, permite concluir que o Renault 5 E-TECH é universalmente adorado, não tivesse ele sido eleito Carro do ano 2025. Mas será que esta unanimidade é merecida?
Neste artigo:
Quem não gosta da estética?
Todos os carros têm prós e contras, sejam eles a combustão ou elétricos. Se existisse “o automóvel perfeito”, podíamos ficar por aí: seria esse aquele todos compraríamos e não se falava mais nisso. Mas claro que não é assim. O mesmo acontece com o Renault 5 E-TECH mas, neste caso, andamos lá perto!
Começando pela estética, ainda não encontrei ninguém que não gostasse do que a Renault fez ao ressuscitar o lendário “5”. Não é a primeira vez que uma marca recria um modelo com uma estética neo-retro bem-sucedida. Veja-se o caso do Mini e do Fiat 500, quanto a mim dois dos melhores exemplos do mercado.
Contudo, julgo que o Renault 5 E-TECH está um patamar acima. Este foi um daqueles casos em que a imprensa especializada, quando viu o protótipo, ficou a babar-se, mas, desde logo, colocou reservas sobre a versão final, duvidando (com razões para isso, porque é o que costuma acontecer!) que o produto que iria finalmente ser colocado nas mãos dos consumidores dificilmente teria os detalhes que tornavam o protótipo tão apetecível.
O resultado, contudo, foi mesmo brilhante. Exteriormente, pouco foi alterado. E até um petrolhead como Richard Hammond o reconhece.
Um EV puro e duro
Além disso, com este modelo a Renault mostra ao mercado que está “a sério” no mundo dos carros elétricos. Não há cá plataforma “mista” (ICE e EV) sempre dada a compromissos. Este é um EV puro e duro construído sobre uma plataforma criada exclusivamente para veículos elétricos, chamada AmpR Small e pensada para veículos do segmento B.
Segundo a Renault, “cada elemento da estrutura [da plataforma] foi cuidadosamente examinado para minimizar os custos: reduzindo o número de peças, otimizando o sistema de transmissão e permitindo a intermutabilidade dos quatro módulos da bateria.” Além do R5, esta também é a plataforma usada no novo Renault 4 E-TECH, que esperamos poder testar em breve. O já anunciado Renault Twingo E-TECH (ainda em fase protótipo) deverá igualmente ser baseado numa versão desta plataforma.
Atrasado, mas bem-vindo
Na gama Renault, este carro vem substituir o primeiro EV da marca francesa, o Zoe, lançado no longínquo ano de 2012, e baseado na plataforma do Clio. Enquanto este tem 4084 mm de comprimento e 2588 mm de distância entre eixos, o novo R5 é mais curto (3922 mm) mas tem uma distância entre eixos que é basicamente a mesma, de 2540 mm. Além disso, o R5 é mais largo: 1808 mm contra 1730 mm do Zoe.
Contudo, e já que estamos a falar em números, há um que é extremamente importante e onde o R5 bate o Clio por 4-0: o número de estrelas nos testes EuroNCAP.
Como qualquer projeto baseado em glórias passadas, claro que este novo Renault 5 é maior do que o original dos anos 70 e até mesmo do que o SuperCinq dos anos 80. Além disso, tem 5 portas e não três. Mas continua a ser um “carro de cidade” – quem procura um pequeno familiar elétrico e pretende encontrá-lo na gama da marca francesa deverá apontar para o Renault 4 ou, claro, para o Megane E-TECH.
Isto porque, lá dentro, o Renault 5 E-TECH não é suficientemente generoso para transportar confortavelmente quatro pessoas em longas viagens – embora tenha cinco lugares. No entanto, reconheço que, ao contrário das primeiras impressões que tive ao entrar dentro do carro pela primeira vez em 2024, durante o Salão do Automóvel Híbrido e Elétrico, os lugares traseiros não são tão acanhados como achei na altura.
Uma vez ajustado o banco do condutor para a minha posição de condução (tenho 1,69m), o espaço que fica atrás é mais do que suficiente. Não só longitudinalmente, mas há também espaço para os pés debaixo dos bancos dianteiros.
Se tenho críticas a fazer aos lugares traseiros, elas são de outro tipo: o piso, dada a posição da bateria, é um pouco alto e, face à posição dos bancos, obriga a que os joelhos fiquem numa posição algo elevada. Esse sim, parece-me ser o principal problema para transportar confortavelmente passageiros durante muitos quilómetros.
Tecnologia e eficiência
Mas voltemos novamente ao lugar do condutor. Há muito para gostar no interior do Renault 5 E-TECH. Os materiais são bons e sente-se qualidade de construção em cada canto do tablier. A versão testada foi um Techno equipado com bateria de 52 kWh e motor de 150 CV de potência. O preço para a versão sem extras adicionais (este incluía alguns) é de 33.000 euros – um preço que eu compreendo que haja quem ache demasiado elevado, mas que eu considero justo face ao que é oferecido.
De resto, a Renault irá disponibilizar em breve uma versão de 95 CV com a bateria de 40 kWh, ideal para quem pretenda sobretudo usar o Renault 5 E-TECH como segundo carro em ambiente urbano, com um preço bastante competitivo, de 25.500 euros (sim, já com IVA).
Os modelos com bateria de 52 kWh (“autonomia conforto”, chama-lhe a Renault) têm uma autonomia WLTP de 407 quilómetros; os modelos com bateria de 40 kWh (“autonomia urbana”) percorrem 312 quilómetros antes de precisarem de ser recarregados.
Em ambos os casos estamos a falar de valores WLTP para “ciclo misto”, em que o consumo oficial ronda os 15 kW/100 km (14,5 kW/100 no caso do modelo com bateria mais pequena, cujo motor também é menos potente, com 120 CV). Contudo, durante o teste que realizei, com maior peso no circuito urbano, ficou claro que é possível não só fazer essas médias, mas até alcançar valores inferiores, o que dá credibilidade às autonomias anunciadas.
Em termos de tecnologia, para montar a sua solução, a Renault continua a usar a plataforma Google Automotive que inaugurou no Megane E-TECH. Aqui surgem novidades, como um assistente digital, chamado “Reno” (invoca-se chamando pelo nome, “Hey, Rênô!”) e que me faz lembrar o velho “Clippy”, de má memória, que a Microsoft introduziu no Office entre 2000 e 2003.
Contudo, trago boas notícias: ele funciona bem, e não só responde a comandos diretos como até pode ajudar de forma independente – por exemplo detetando que o carro está muito quente e sugerindo ligar o ar condicionado no máximo para arrefecer o habitáculo rapidamente; ou que a nossa forma de conduzir é “compatível” com o modo Eco e que ele pode ativá-la por nós. Mas também podemos desligar o Reno, se assim o desejarmos.
Uma nota final para a existência de uma app (My Renault) que permite controlar e monitorizar diversas funcionalidades do carro à distância… mas que não consegui, provavelmente por aselhice própria (ou porque o carro estava já atribuído a outra conta), conectar ao carro. De notar que todas as funcionalidades oferecidas pela app são gratuitas e não carecem de pagamentos recorrentes, como acontece em algumas marcas.
Comandos físicos
Uma das coisas que gostei, e muito, das escolhas da Renault em termos de tecnologia foi a mistura entre os dois ecrãs (um deles tátil) e os comandos físicos.
Temos uma manete para comando da caixa de velocidades; e há comandos físicos para o controlo da climatização, luzes de emergência, travão de mão elétrico e ajuste de inclinação das luzes (para o caso em que tenhamos o carro muito carregado).
Outro ponto que deve ser salientado de forma positiva é a facilidade com que podemos criar um perfil pessoal (“Perso”) que inclua modos de condução (já lá irei), ajudas à condução (ADAS) e outras definições.
Depois, o carro irá memorizar esse perfil da próxima vez que voltarmos a entrar nele e um botão físico do lado esquerdo do tablier permite (des)ativar as ‘ajudas’ de acordo com o que definimos no modo “Perso”. Basta premir o botão duas vezes e já está: nada de bips e ding dongs avulsos!
Outra das coisas que gostei foi a possibilidade de criarmos o nosso próprio modo de condução conjugando três definições: modo de economia (Sport, Normal, Eco), peso da direção (3 definições) e comportamento (mais ou menos preciso/agressivo em termos de resposta do volante).
Carregamento e V2L
Por coincidência, tive que ir entregar o R5 E-TECH no dia do “apagão”. E é nestas (e outras) ocasiões que este carro também mostra como pode ser útil, uma vez que possui tecnologia V2L, isto é, através de com um adaptador podermos usar a capacidade da bateria de tração para alimentar qualquer equipamento elétrico.
A Renault indicou-me que, em breve, além de VL2 haverá também suporte para V2G (utilização bidirecional com a possibilidade de ligar o carro à rede elétrica). Todos os modelos da gama R5 suportam V2L, mas nem todos incluem o adaptador, um acessório que tem um PVP de 200 euros.
Em termos de opções e velocidade de carregamento, o Renault 5 E-TECH cumpre, mas não deslumbra, com máximos de 11 kW em AC (trifásico) e 100 kW em DC, que me parecem corretos face à capacidade da bateria e permitem uma rápida recuperação da autonomia em pouco tempo.
Travagem regenerativa
O meu “daily driver” é um BMW i3, e estou muito habituado a uma forte travagem regenerativa. No caso do i3, nem sequer é possível mudar nada: vem assim de fábrica e… é lidar! Mas eu gosto muito – não é 100% “one pedal driving” mas anda lá perto.
Infelizmente, no caso do Renault 5 E-TECH, há apenas dois modos: o modo D (Drive) tem uma regeneração bastante ténue; e o modo B (Brake) tem uma regeneração um pouco mais forte, mas que em nada se se assemelha à condução com um só pedal.
Vi, entretanto, que o recém-lançado Renault 4 E-TECH já tem One Pedal Driving e como isto é algo que é implementável através de software, tenho esperança que uma atualização do firmware do Renault 5 E-TECH (ou, eventualmente, uma nova iteração do carro) possa vir a ter esta funcionalidade. Para um carro que se sente sobretudo à vontade em cidade, faria todo o sentido.
Na estrada
Outros já testaram este carro em circuito e em viagens mais longas, pelo que nada do que eu possa dizer será novidade. No entanto, admito que gostei mesmo muito de conduzir o Renault 5 E-TECH. Aliás, digo mais: este foi o primeiro carro que achei que poderia eventualmente substituir o meu BMW i3, coisa que até hoje nunca tinha sentido.
Dinamicamente, e apesar de ser um carro de tração dianteira (o i3 tem tração atrás), o comportamento é muito bom e, em modo Sport, é mesmo bastante divertido de se conduzir, muito perto daquilo a que normalmente chamamos um “hot hatch”. E como os modos de condução são facilmente comutáveis a partir de comandos no volante, isto é algo que pode ser feito de imediato, quando nos apetece pôr “prego a fundo”, nem que seja temporariamente.
Já a suspensão oferece um excelente compromisso entre o comportamento e o conforto, sem nunca sentirmos que compromete qualquer destes parâmetros. Isto é típico dos EVs, em que a bateria instalada no fundo do chassis favorece um centro de gravidade mais baixo do que tipicamente sucede num carro a combustão, mas nem sempre o equilíbrio da suspensão é conseguido.
Uma vez mais comparando com o meu i3, que usa pneus bastante finos montados em jantes de 19’’, os pneumáticos mais largos em jantes de 18’’ do Renault 5 E-TECH claramente contribuem para favorecer o conforto sem penalizar demasiado o comportamento.
Conclusão
Já devem ter percebido que gostei muito do Renault 5 E-TECH. O carro tem defeitos? Todos têm. Mas não tem “deal breakers”, coisas que fariam com que não o comprasse.
A profusão de manetes físicas do lado direito do volante parece-me excessiva (a do rádio/multimédia era dispensável); a câmara traseira tem péssima resolução e destoa no contexto de um sistema excelente; os bancos de trás não são tão amplos como gostaríamos; e não existe ‘frunk’. Mas nada disto me impede de ter adorado o carro e de me imaginar perfeitamente a ter um.
Resta o preço. Como já escrevi acima, acho os valores pedidos corretos face ao que é oferecido. A versão Techno com a bateria de 52 kWh associada ao motor de 150 CV, mesmo sem quaisquer extras, vem já muito bem equipada e custa 33.000€ (atenção, que a única cor que não tem custo adicional é o verde!). Para mim, este seria o carro que compraria para substituir o meu i3, quando chegar a hora.
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Mas, para quem ande pouco e apenas em cidade, a versão de entrada, Evolution, associada à bateria de 40 kWh e ao motor de 120 CV serve perfeitamente e permite poupar uns milhares de euros (custa 27.500€). E a Renault irá lançar ainda este ano, por apenas 25.500€, uma segunda versão do modelo com bateria de 40 kWh, como motor de 95 CV.